Pesquisa revela que livros didáticos de ensino religioso estimulam preconceito e discriminação nas escolas públicas brasileiras
Não é segredo pra ninguém que moramos em um país diverso. Diversidade essa que vai desde a biodiversidade até as diferentes orientações sexuais. Olhando da janela do meu quarto, vejo, ao menos, quatro tipos diferentes de árvores. No aquário da minha casa, tenho três raças diferentes de peixes, cada uma com uma cor diferente. Minha vizinha da frente é negra. O vizinho do lado tem descendência oriental. Eu sou branco. No primeiro andar mora uma senhora evangélica que sempre distribui panfletos da sua igreja nos apartamentos. No segundo andar acontecem novenas na casa da vizinha que tem uma deficiência visual. Toda quinta feira eu vou a uma fraternidade espírita. Minha melhor amiga é bissexual, a síndica do meu prédio é lésbica, minha irmã é heterossexual e eu sou gay. Na portaria do prédio várias crianças brincam, gritam, jogam bola, pulam corda e perturbam o meu sono. Eu acordo tarde nos finais de semana, meus vizinhos não. Não, não resido na Torre de Babel, mas quase. Ainda falamos a mesma língua.
Sou do tempo em que respeito ao ser humano e às diferenças eram coisas aprendidas em casa. Nessa época a grande maioria dos pais acreditavam que a escola teria a função de ensinar a ciência, pois a moral era aprendida em família, vivenciando. Mas eram outros tempos. Minha mãe podia passar o dia inteiro em casa, trabalhando, ajudando-nos com as tarefas da escola, educando, brincando com a gente na rua, cuidando da casa, acompanhando-nos em atividades religiosas, dentre tantas outras coisas. Hoje as coisas mudaram um pouco. Muitos pais precisam sair pra trabalhar e, por estes e outros motivos tantos, confiam na escola também a função de educadora moral. Aí é que mora o perigo. Veja porque:
Uma pesquisa recente da Universidade de Brasília (UnB) constatou que o preconceito e a intolerância religiosa passaram a fazer parte da lição diária dos alunos do ensino fundamental das escolas brasileiras. Este estudo foi publicado no livro “Laicidade: O Ensino Religioso no Brasil”, lançado no último dia 22, em Brasília e teve como objeto de análise 25 livros de ensino religioso usados pelas escolas públicas do país.
Para a antropóloga Débora Diniz, uma das autoras do trabalho, “O estimulo à homofobia e a imposição de uma espécie de catecismo cristão em sala de aula são uma constante nas publicações”. O estudo afirma que a imagem de Jesus Cristo tem um espaço privilegiado nos livros, aparecendo cerca de 80 vezes mais do que uma liderança religiosa indígena, 12 vezes mais do que o líder budista Dalai Lama e 20 vezes mais do que Lutero, referência para o protestantismo. João Calvino, outro importante nome do protestantismo, nem ao menos é citado.
Outro dado crítico levantado pela pesquisa faz referência à presença da discriminação, principalmente contra homossexuais, no material didático analisado. “Desvio moral”, “doença física ou psicológica”, “conflitos profundos” e “homossexualismo não se revela natural” são alguns dos termos designados aos milhares de gays e lésbicas, cidadãos brasileiros. Uma publicação, chega, ainda, ao cúmulo, questionando em um de seus exercícios o seguinte: se o homossexualismo se tornasse regra, como a humanidade iria se perpetuar?
Já aos ateus, até uma associação ao nazismo coube, na medida em que alguns livros associam a falta de crença destes à propensão de comportamentos violentos e ameaçadores, ficando claro que as diretrizes pedagógicas desse material fazem uso da generalização para disseminar a falta de informação e propagar o cristianismo. Débora diz, ainda, que hoje existe “uma clara confusão entre o ensino religioso e a educação cristã” no Brasil.
Não vivíamos em um Estado laico? Pelo exposto, projetos como o Educação sem Homofobia são cada vez mais necessários no sistema brasileiro de educação.
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